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ANTECIPAR A HERANÇA, PRIVILEGIAR HERDEIRO(S) E/OU TERCEIROS: DOAÇÃO OU TESTAMENTO ?

ANTECIPAR A HERANÇA, PRIVILEGIAR HERDEIRO(S) E/OU TERCEIROS: DOAÇÃO OU TESTAMENTO ?

29/03/2022

ADMIN

Parafraseando Benjamim Franklin: Viver é enfrentar um problema atrás do outro. O modo como você o encara é que faz a diferença.”.

Como se não bastasse os problemas diários dos negócios, é contumaz filho(s) buscarem, junto a seu(s) genitor(es) a divisão ou reserva de um determinado patrimônio, ainda em vida, seja para iniciarem sua independência financeira, seja por não concordar com o modo de gerência por seus pais. De outro lado, o(s) Genitor(es), por suas próprias razões, por conhecerem muito bem seus filhos e por serem donos do patrimônio, podem almejar uma divisão patrimonial, seja em vida ou post mortem, de forma não igualitária, favorecendo um filho/herdeiro em detrimento de outro, ou até mesmo um terceiro à qual não é herdeiro, a exemplo de um neto ou um(a) amigo(a) ou, até mesmo de forma igualitária, porém reservando um patrimônio em específico para um ou mais herdeiro(s). Vários podem ser os motivos e razões. Aos genitores, os dois principais recursos disponíveis são: Doação (em vida) e/ou Testamento (post mortem).

Diferentemente de outros Países, a legislação brasileira somente permite testar 100% do patrimônio quando inexistir herdeiros necessários1, da mesma forma que não permite a doação de bens em vida, sem a reserva de meios suficientes para a manutenção de sua subsistência2 ou, que a doação ultrapasse a reserva da legítima - 50% de todo o seu patrimônio3 -, no momento do ato4. É o princípio da indisponibilidade ou reserva da legítima. Existindo herdeiros necessários, o testamento também somente poderá versar sobre até 50% da herança, à época da abertura da sucessão.

Em linhas gerais a doação é um contrato bilateral e voluntário, ou seja, de um lado o Doador que livremente delibera em doar – de forma gratuita - um ou alguns de seu(s) patrimônio(s) ao(s) Donatário(s) – quem recebe a doação. Se o bem doado for um imóvel, o contrato terá de ser por escritura pública, sob pena de nulidade, se for bem móvel, a doação pode ser por instrumento particular, sendo que os bens móveis de pequeno valor, podem ser doados verbalmente, concretizando-se o ato pela tradição, ou seja, a entrega do bem.

Na doação é possível ao doador estipular, dentre outras, as seguintes cláusulas: (i) reversão – o bem retorna ao doador, caso o donatário venha a falecer antes daquele; (ii) usufruto – os frutos/rendimentos oriundos do bem doado serão exclusivos do doador, podendo ainda ser estipulado de forma vitalícia ou, por data ou evento certo; (iii) inalienabilidade – impede que o bem doado seja vendido a terceiros, sendo muito utilizada quando a doação é feita a menores de idade ou a pessoas portadoras de necessidades especiais, porém, é uma cláusula de fácil revogação pela Justiça; (iv) impenhorabilidade – impede que o bem doado seja penhorado ou dado em garantia para pagamento de dívidas, porém, assim como a inalienabilidade é uma condição facilmente revogada/anulada pela Justiça; (v) incomunicabilidade – o bem doado não comporá o patrimônio do casal, caso o(a) donatário(a) seja casado(a) ou venha a se casar ou viver em união estável futuramente, podendo ainda ser inclusa também quanto aos frutos/rendimentos; (vi) condicionante – remete-se a evento futuro e incerto, onde a doação somente se consumará se o evento acontecer, a exemplo: casamento futuro com certa pessoa; o nascimento futuro de neto em determinado tempo, etc; (vii) dispensa de colação – o doador deverá afirmar de forma inequívoca que o bem doado pertence à parte disponível do seu patrimônio, não ultrapassando o correspondente 50% deste, em respeito a reserva da legítima, sob pena de redução5 ou nulidade da doação.

Ressalta-se que para inclusão das cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade, a lei exige que o doador demonstre a justa causa.

Questão mais emblemática está na doação a herdeiros necessários em antecipação de legítima - sem a cláusula de dispensa de colação -, ou seja, o herdeiro/donatário recebe um bem em herança antes dos demais herdeiros e antes de aberta a sucessão. Nestes casos a Lei obriga o herdeiro a apresentar este bem no processo de inventário, para fins de compor a herança6 e assim, igualar o direito dos demais herdeiros. Nota-se, não é o bem em específico que irá no inventário, mas o seu correspondente “valor econômico” e, aqui pode surgir um grave problema.

À luz do código civil e julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sob a vigência do antigo Código de Processo Civil de 1973, o entendimento consolidado era de que o valor do bem à época da doação deveria ser corrigido monetariamente até a data da abertura da sucessão7. Porém, com o novo Código de Processo Civil de 2015, estabeleceu que nos casos de colação de doação no inventário, o valor do bem será o aferido na data da abertura da sucessão8. Em pesquisa aos precedentes do STJ, não localizamos nenhum julgado referindo-se ao assunto.

Eis o problema, o bem outrora doado, com certeza, sofrerá as influências de elementos externos de natureza econômica, temporal ou mercadológica, podendo vir a sofrer uma max valorização que a depender do valor da herança deixada pelo(a) falecido(a), obrigará o herdeiro/donatário a depositar em juizo, o valor de avaliação do bem que exceder a 50% da herança.

Se a doação não for a opção, talvez o testamento – também conhecido como declaração de última vontade - seja o melhor recurso para transferir um ou mais bens, post mortem, ao(s) herdeiro(s) ou terceiros.

Diferentemente da doação, o testamento é um contrato personalíssimo, sendo um ato jurídico unilateral, não admitindo a assistência, representação, tão pouco procuração, podendo ser realizado por qualquer pessoa, capaz, acima de 16 anos, não existindo limitador de idade. Também pode ser feito quantos desejar o Testador, podendo o mais novo revogar/anular9 o anterior ou ser complementar, servindo também para afirmar que determinada doação anteriormente realizada a título de antecipação de herança, passe a ser considerada com dispensa de colação. A única exceção à regra da revogação/anulação do testamento é o reconhecimento de filho biológico ou afetivo, consoante disposto no art. 1610 do Código Civil.

Outra diferença em relação a doação é que o testamento não impede a alienação do bem nele inserido e, caso assim ocorra, o testamento perderá o objeto em relação ao bem que foi alienado, continuando sua validade quanto as demais disposições, caso existente.

Em que pese nosso ordenamento jurídico prever seis tipos de testamento, o ato em si é bastante simples, bastando para validade jurídica do mesmo o cumprimento obrigatório de todos os requisitos legais exigidos pelo tipo escolhido. A formalidade destina-se a assegurar a fidedignidade das declarações do testador, especialmente em razão do fato de que o testamento só virá a ser cumprido após a morte do testador.

Então, como decidir entre o testamento e a doação em vida?

Não há fórmula ou receita de bolo pronta, cada família, cada negócio, cada patrimônio são únicos. Sendo assim, aconselhamos o(a) doador(a)/testador(a) a buscar um advogado especializado no assunto para melhor orientação sobre o caso in concreto, para fins de prevalecer seus os anseios e vontades, eliminando de riscos futuros, podendo ainda serem adotadas outras opções, como as utilizadas no Planejamento Sucessório e Patrimonial.

Autoria

Joel Quintella

OAB-MT 9563

Sócio da Quintella & Mello Advogados Associados

 

 


 

 

 

 

1Art. 1.845 -CC/2002. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

2Art. 548 - CC/2002. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.

3Art. 549 - CC/2002. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento;

4 Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - …; IV - não revestir a forma prescrita em lei;

5Art. 2.007 – CC/2002 - São sujeitas à redução as doações em que se apurar excesso quanto ao que o doador poderia dispor, no momento da liberalidade.

6Entende-se por herança o conjunto de bens deixados pelo falecido, sendo que para efeitos de inventário e partilha de bens, toda a herança é transformada em valores.

7STJ. REsp 1166568-SP, Dj. 17/12/2019; REsp 1713098-Rs, Dj. 14/05/2019;

8Art. 639. No prazo estabelecido no art. 627, o herdeiro obrigado à colação conferirá por termo nos autos ou por petição à qual o termo se reportará os bens que recebeu ou, se já não os possuir, trar-lhes-á o valor. Parágrafo único. Os bens a serem conferidos na partilha, assim como as acessões e as benfeitorias que o donatário fez, calcular-se-ão pelo valor que tiverem ao tempo da abertura da sucessão.

9Art. 1.858 - CC/2002. O testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo.

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