02/12/2021
ADMIN
É fato que os Governos, visando coibir e fiscalizar infrações ambientais, vem investindo pesadamente em tecnologia. No Estado de Mato Grosso a Secretaria de Meio Ambiente (SEMA-MT), desde dezembro/2020 utiliza-se do sistema REM, com controle de desmatamento via satélite em tempo real. Ainda, o Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar Ambiental utilizam-se dos sistemas DETER e de monitoramento de queimadas do INPE, para detecção de infrações ambientais, tendo por consequência a lavratura de autos de infração.
Do outro lado encontra-se o Produtor Rural, que por maior zelo que adote em sua atividade, sempre estará à margem da sujeição de uma infração ambiental.
Em que pese a atuação do Estado ser legítima, o quantum aplicado no Auto de Infração e sua justificativa tem estado muitas vezes à margem da Lei, usurpando o direito do Autuado a justa sanção, ocasionando não raras vezes a danos irreparáveis ao patrimônio do Produtor.
Explico. A Lei 9.605/98 ao dispor sobre as sanções penais e administrativas derivadas de infração ambiental, apesar de prever a aplicação de multa às infrações ambientais, não estipulou o valor aplicado a cada tipo infracional. Os tipos e seus respectivos valores foram regulamentados pelo Decreto Federal nº. 6.514/2008, à qual trazemos como exemplo o seu art. 50, in verbis:
Art. 50 - Destruir ou danificar florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa ou de espécies nativas plantadas, objeto de especial preservação, sem autorização ou licença da autoridade ambiental competente:
Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por hectare ou fração.
Para o Estado, não importa o quantum destruído ou danificado, nem mesmo as circunstâncias em que ocorreu, o valor será sempre o mesmo: R$ 5mil por hectare. Em que pese a aparente legalidade, os Autos de Infração que seguem à risca os valores impostos no Decreto 6.514/2008, são passíveis de terem seus valores ajustados à realidade fática e legal do caso in contreto.
Isto porquê, a Lei 9.605/98 ao discorrer sobre a infração administrativa (arts. 70 e ss.), determinou que os valores deveriam ser fixados com limites mínimo e máximo, ou seja, não por valor único. Além disto, determinou que para aplicação, no caso concreto, do quantum a ser imposto no Auto de Infração, o Agente Fiscalizador deve levar em consideração a gravidade dos fatos, os antecedentes e a situação econômica do infrator (art. 6º), os quais são intrínsecos aos princípios da individualização da pena, da proporcionalidade e da razoabilidade.
Dada a hierarquia das normas, o Decreto regulamentador deve limitar-se aos ditames da Lei originária, não podendo avançar além desta, razão pela qual os valores dispostos no Decreto 6514/2008 e antecessores, deverá de ser considerados como teto máximo.
O raciocínio é simples. A Lei 9605/98 determinou a aplicação obrigatória dos princípios da individualização da pena, da razoabilidade e da proporcionalidade (art. 6º) na aferição do quantum a ser imposto de multa ao Autuado, o que impõe o entendimento de previsão legal de valores mínimos e máximos para cada infração, o qual é corroborado com o disposto no art. 75 do mesmo diploma, que fixa os limites mínimos e máximos de valores da multa, para fins de regulamentação pelo Decreto, in verbis:
Art. 75. O valor da multa de que trata este Capítulo será fixado no regulamento desta Lei e corrigido periodicamente, com base nos índices estabelecidos na legislação pertinente, sendo o mínimo de R$ 50,00 (cinqüenta reais) e o máximo de R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais)
Desta feita, tendo o Decreto 6.514/2008 determinado valor fixo para cada tipo de infração ambiental, impõe-se que este é o valor máximo e, o valor mínimo é o de R$ 50,00 (art. 75, Lei 9605/98), para fins de aferição dos critérios previstos no art. 6° da Lei em comento.
De toda sorte, os tribunais pátrios vem aplicando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para redução do valor aplicado no Auto de Infração ambiental. Vejamos:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. INFRAÇÃO AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO PELO IBAMA. ANULAÇÃO. INVIABILIDADE. DESMATAMENTO E QUEIMADA SEM AUTORIZAÇÃO. PENA DE MULTA FIXADA NO MÁXIMO LEGAL. FALTA DE PROPORCIONALDIADE E MOTIVAÇÃO. REDUÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. 1. … 5. É viável a redução do valor da multa fixada administrativamente,diante da ausência de proporcionalidade e motivação na sua fixação no máximo legal. 6. Apelações e remessa oficial desprovidas. (TRF 1ª Região. 5ª T. e-DJF1 25/07/2019).
APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO AMBIENTAL – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO OBSERVAÇÃO – PROCESSO APTO PARA JULGAMENTO – DESMATAMENTO DE ÁREA SEM DOCUMENTAÇÃO APTA – CONSTATAÇÃO POR MEIO DE AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO PELO IBAMA – ILÍCITO OCORRIDO ANTES DA COMPRA DA FAZENDA – NÃO COMPROVAÇÃO – AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE COM O OCORRIDO – FATO PRATICADO POR TERCEIRO – REGISTRO EM DISSONÂNCIA COM O ATO ADMINISTRATIVO LAVRADO – PRESUNÇÃO RELATIVA – MINORAÇÃO DA MULTA – VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – CONSTATAÇÃO – REDUÇÃO IMPERIOSA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. [...]. Deve-se proceder à minoração de multa arbitrada em descompasso com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. (TJ-MT. 1ª Câm. Direito Público e Coletivo. DJE 10/11/2020)
Dessa forma, a lavratura de Auto de Infração tendo por valor de referência o estipulado pelo Decreto 6514/08, sem as devidas justificativas a alicerçar a gradação máxima da penalidade, nos termos do art. 6º da Lei 9.605/98, implicará em violação à Lei.
Caso tenha interesse em saber mais sobre o assunto, procure uma assessoria jurídica especializada, para melhor orientá-lo a respeito.
Autoria
Joel Quintella – Advogado
OAB-MT 9.563
Sócio da Quintella & Mello Advogados Associados
OAB-MT Reg. 1217