22/03/2022
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Por seres mortais que somos, a morte em algum momento nos encontrará, muitas das vezes sem qualquer aviso de antecedência. Parafraseando Chistopher Bullock (séc. XVIII), na peça “The Cobbler of Preston” (1716) “é impossível ter certeza de qualquer coisa, exceto morte e impostos”.
Ainda que a morte seja um evento da qual poucos aceitam falar, é necessário abrir a discussão, mesmo de forma sucinta e sem esgotar o tema, neste artigo discorremos brevemente sobre os direitos a meação e herança do cônjuge ou companheiro(a) sobrevivente em concorrência com os filhos do(a) falecido(a), seja comum ou exclusivos1.
A ordem dos herdeiros que terão direito a receber a herança2 é estabelecida pelo art. 1829 do Código Civil, sendo que os herdeiros de grau mais próximo excluem o mais remoto. Exemplificando: somente aplica-se o inc. II do art. 1829, se inexistir descendentes do(a) falecido(a) -filhos, netos, bisnetos, …-, e assim sucessivamente. Vejamos:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
Para efeitos legais, a Sucessão é aberta no exato momento do óbito, sendo este o marco de aferimento dos bens (positivos e negativos) que farão parte da meação e/ou herança a ser futuramente partilhada. Entende-se por bens positivos, aqueles que possuem valor econômico e suscetível de apropriação pelo Homem e, por bens negativos, as dívidas e obrigações pecuniárias.
Na sucessão, os bens se dividem em dois tipos: (i) Bens Particulares, que são aqueles pertencentes exclusivamente a um dos cônjuges, tanto pelo momento quanto por seu título aquisitivo, como: os bens adquiridos antes da vida conjugal; os recebidos de herança e legados; os bens recebidos em doação com cláusula de incomunicabilidade; os bens pessoais (jóias, relógios, canetas, livros,) e instrumentos de profissão; as pensões, meios-soldos e outras rendas semelhantes; os bens subrogados (aqueles adquiridos com recursos ou em substituição a um bem particular), dentre outros e, as dívidas adquiridas antes da vida conjugal; (ii) Bens Comuns, que são aqueles adquiridos pelo casal, na constância da vida conjugal, ainda que estejam em nome de um só e que não se enquadram na modalidade de bem particular, e; os frutos (rendas) advindos dos bens particulares, assim como as dívidas contraídas no decorrer da relação.
Outro fator de fundamental importância é o regime de casamento/união estável3 escolhido pelo casal para reger a vida conjugal, estabelecendo nosso ordenamento jurídico quatro tipos: (i) Separação de Bens (legal ou convencional); (ii) Comunhão (Universal) de Bens; (iii) Comunhão Parcial de Bens; (iv) Participal final dos Aquestos. Em caso de união estável, sem a existência de contrato escrito ou escritura pública, opera-se o regime de comunhão parcial de bens, salvo nos casos em que Lei impõe o regime de Separação Legal de Bens.
É certo que a escolha do regime dita as regras gerais (direitos e deveres) da relação entre o casal versus o patrimônio adquirido anterior e posteriormente ao matrimônio e, seus efeitos em caso de divórcio.
Todavia, está consagrado nos Superiores Tribunais (STF/STJ) que os efeitos do regime de casamento/união estável empregados no divórcio, nem sempre serão os mesmos nos casos de sucessão. A exemplo do regime de separação de bens, onde no divórcio cada cônjuge fica com os bens que estão em seu nome, nada podendo um exigir o patrimônio do outro e, já na sucessão o cônjuge sobrevivente tem direito a partilha da herança, seja como meeiro ou herdeiro.
Assim, aberta a sucessão, o(a) cônjuge/companheiro(a), participará do inventário e considerando o regime de casamento/união estável outrora escolhido, terá os seguintes direitos sobre a herança:
1. Separação de Bens:
1.1.2. Legal → O(A) Cônjuge/Companheiro(a) não concorre com os herdeiros nos bens particulares e, terá direito a meação(50%) dos bens comuns, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição4, entendendo-se por esforço todo tido de situação que tenha contribuído para tal aquisição, ainda que não tenha sido financeira. Caso, conste no pacto antinupcial o afastamento da súmula 377 do STF, o(a) cônjuge/companheiro(a) nada receberá.
1.1.3. Convencional → O(A) Cônjuge/Companheiro(a) não é meeiro, apenas herdeiro e concorre com os demais herdeiros, tanto nos bens comuns quanto nos particulares.
2. Comunhão (universal) de Bens → O(A) Cônjuge/Companheiro(a) é meeiro(a), tendo direito a meação (50%) de todos os bens deixados pelo falecido (comuns e particulares). Não há concorrência com os herdeiros.
3. Comunhão Parcial de Bens e, Participação Final de Aquestos → Nestes dois tipos de regimes, o(a) Cônjuge/Companheiro(a) pode ser ao mesmo tempo meeiro(a) e herdeiro(a). Meeiro(a) quanto aos bens comuns (50%) e, na qualidade de herdeiro(a) concorrerá com os demais herdeiros quanto aos bens particulares.
Quanto a concorrência do(a) cônjuge/companheiro(a) com os demais herdeiros, há necessidade de se observar se os herdeiros descendentes são filhos comum ou exclusivos do(a) falecido(a). Isto porquê, concorrendo somente com os filhos comum, é assegurado(a) ao cônjuge/companheiro(a) o mínimo de ¼ (um quarto) dos bens5. Se houver filhos exclusivos do(a) falecido(a), a divisão será por cabeça – de forma igualitária - não terá direito a reserva de ¼ (um quarto), consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a exemplo do julgamento do REsp nº. 1617501/RS, Dje. 01/07/2019.
A regra acima é atualmente o entendimento consolidado dos Tribunais Superiores. Porém ressaltamos que o entendimento dos Ministros e Julgadores sofrem constantes mudanças, sobretudo no que diz respeito às questões envolvendo Direito de Família, cujas ações refletem as transformações de hábitos e costumes da sociedade brasileira. Nesta seara, o entendimento dos Tribunais até 2015 era outro e nada garante que o entendimento atual será mantido em um caso específico ou, se será o mesmo daqui a 02(dois) anos, por exemplo.
Conforme já discorrido em artigos anteriores, o planejamento patrimonial e/ou sucessório, a alteração de regime matrimonial, a confecção de testamentos, dentre outros, são recursos jurídicos passíveis de contemplar a vontade do(a) falecido(a), evitando desgastes familiares e temporal do processo de inventário.
Caso tenha interesse em saber mais sobre o assunto, procure uma assessoria jurídica especializada, para melhor orientá-lo a respeito.
Autoria
Joel Quintella – Advogado
OAB-MT 9.563
Sócio da Quintella & Mello Advogados Associados
OAB-MT Reg. 1217
1Entende-se por filho comum, o filho do casal e, por filho exclusivo, apenas de um dos cônjuges, fruto de outra relação.
2Entende-se por herança o conjunto de bens deixados pelo(a) falecido(a);
3Casamento ou União Estável não possuem distinção no direito sucessório, quanto a direitos e obrigações, consoante decisão do STF que julgou inconstitucional o art. 1790 do Código Civil. (RE 646.721 e 878.694)
4STF. Súmula 377 - No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento
5Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.