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A ilegalidade da venda de insumos atrelada a cotação futura de moeda estrangeira

A ilegalidade da venda de insumos atrelada a cotação futura de moeda estrangeira

09/04/2020

Admin

Os agricultores já estão acostumados com uma postura recorrente de certas empresas do agronegócio, que no início do período de plantio da safra vendem insumos ou realizam pedidos para entrega futura, postergando o pagamento pós colheita. Porém atrelam o preço dos insumos a cotação futura de moeda estrangeira, via de regra o Dolar (US$). Não raras vezes, as empresas emitem CPR ou CPR-F em reais no limite de crédito concedido ao agricultor, com garantia de penhor de parte da safra futura.

Na prática a empresa fixa e trava o preço de insumo em Dolar (US$) na data da venda ou aprovação do crédito, sendo que no vencimento do título -normalmente pós colheita-, o valor em Dolar será convertido em reais pela cotação do dia do vencimento. Neste proceder, a empresa nunca perde. Primeiro, porque ao travar a cotação do Dolar na hora da venda, se quando do pagamento a cotação da moeda estrangeira estiver mais baixa, será mantido o preço da trava. Se a cotação estiver a maior, o agricultor pagará sobre este.

Em época de total descompasso da economia global e pandemia da Covid-19, não há qualquer possibilidade de previsão sensata da cotação do Dolar (US$) para semana seguinte, quiça para o próximo mês. A exemplo, no mês de agosto/2019 quando inicia-se os preparativos para o plantio da safra, o Dolar Comercial iniciou no dia 1º cotado a R$ 3,84751 para venda e finalizou no dia 30 a R$ 4,1421. Na data de 08/04/2020, a cotação do Dolar Comercial fechou em R$ 5,1418. Comparando a cotação entre o dia 30/08/19 e 08/04/2020, a alta da moeda atingiu 24,13%, em apenas 07 (sete) meses. Não há produtividade de safra que aquente. A exemplo, se considerarmos que o Produtor Rural fez uma compra de R$ 600 mil em 30/08/19 com o dolar travado pela empresa a R$ 4,1421 para pagamento em 08/04/2020, na data do vencimento o valor a ser pago seria de R$ 744.810,60. 

Tal prática é uma das modalidades da operação Barter, porém, não significa sua legalidade. Neste aspecto o Código Civil 2002 que estabelece:

  • Art. 315. As dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subseqüentes. 
    
    Art. 318. São nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da moeda nacional, excetuados os casos previstos na legislação especial. 

Tal nulidade de fixação em moeda estrangeira também encontra suporte no art. 6º da Lei 8880/94 e inc. I do art. 1º da Lei 10.192/2001.

Vale ressaltar que a Lei especial permite o financiamento por instituições financeiras de máquinas e equipamentos vinculada a moeda estrangeira, somente quando de igual forma for a captação do recurso pelo agente financeiro. Porém não é o caso ora em questão.

Desta forma, a empresa ao emitir a Nota Fiscal e faturá-la com vencimento futuro, solidifica o valor da compra, devendo aos rigores da Lei ser respeitada tal importância na data de seu vencimento. Ademais, qualquer pedido de insumo emitido em moeda estrangeira é nulo de pleno direito.

Apesar da ilegalidade e abusividade, a prática existe e é respeitada pelo “fio de bigode” dos agricultores, em período de normalidade. Em período de alta constante da moeda estrangeira, a primeira via a ser buscada é o diálogo, pois o afrentamento às empresas tem de ser medido com cautela, especialmente quando se tem vinculada uma CPR ou CPR-F, infelizmente.

Ocorre que a CPR ou CPR-F é um título autônomo que pode servir para qualquer tipo de obrigação e, por força de lei, o negócio subjacente (que originou a CPR) não pode ser discutido em defesa judicial. Portanto, as CPR´s não se vinculam as notas fiscais emitidas pela empresa, salvo se expressamente estiver contido na CPR´s menção ao número de pedido, produtos e quantidades a serem entregues em data futura que casem com as notas fiscais emitidas. Ademais, ao emitir a CPR´s vinculadas em reais ou entrega de grãos, a torna lícita, mesmo que as tratativas anteriores tenham ocorrido em moeda estrangeira. Neste sentido foi o julgamento do REsp 1.296.962, STJ, em 29/11/2018.

Os agricultores que não possuem a compra de insumos atreladas a CPR´s o valor a pagar é o contido nas notas fiscais sem acréscimo de qualquer valor, salvo casos de mora. Aos que emitiram CPR´s busquem o diálogo e na impossibilidade, adotem meios de vincular as notas fiscais àquela, seja por e-mail, notificação ou mesmo mensagens de whatsapp, sendo certo que legalmente o único valor a ser pago é o contido na CPR, com os acréscimos nela previstos, e, em caso da soma das notas fiscais serem superiores a CPR, pagar-se-á também a diferença entre ambos.

Além da ilegalidade contratual na esfera cível, em tese, a empresa que utiliza-se de tal prática poderá incorrer nos crimes de estelionato ou extorsão (a depender da situação) previstos no Código Penal, crime de sonegação fiscal (Lei 4729/65), crime contra ordem tributária (Lei 8137/90) e até na lei de lavagem de dinheiro (9613/98).

Em tempo, esclarece-se que com a aprovação da Medida Provisória nº. 897/2019 (MP DO AGRO) convertida na Lei 13.986/2020 em 07/04/2020, restou permitida a emissão de CPR-F atrelada a variação cambial, porém tal medida não retroage às emitidas na safra 2019/2020, antes da publicação da MP 897/2019.

Diante da ilegalidade acima apontada e na dúvida de como proceder para liquidar o valor assumido perante a empresa comercializadora de insumos, procure orientação jurídica adequada.

 

Autoria

Joel Quintella – Advogado

OAB-MT 9563

Sócio da Quintella & Mello Advogados Associados

Abril/2020


 

1https://economia.uol.com.br/cotacoes/cambio/dolar-comercial-estados-unidos/, acessado em 09/04/2020.

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