25/05/2020
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BREVE INTRODUÇÃO AS INOVAÇÕES E ALTERAÇÕES NOS TÍTULOS DE CRÉDITO DO AGRONEGÓCIO
O objetivo deste artigo é fazer uma breve abordagem as principais inovações e alterações trazidas pela Lei 13.896/2020, nos títulos de crédito do agronegócio.
Em 01/10/2019 foi publicada a Medida Provisória nº. 897/2019 – também conhecida como MP DO AGRO -, considerada pelo Governo Federal como um novo marco na abertura do crédito rural, um verdadeiro divisor de águas para o setor.
Após aprovação na Câmara dos Deputados e no Senado, a MP foi sancionada pelo Presidente da República e convertida na Lei 13.896/2020, sendo publicada no Diário Oficial em 07/04/2020.
Com o objetivo de fomentar o crédito ao agronegócio e ao mesmo tempo tentar diminuir os juros praticados pelo mercado, a Lei trouxe:
Criação da Cédula Imobiliária Rural (CIR), visando atrair investimentos do mercado de capital, principalmente o investidor estrangeiro;
Criação do Fundo Garantidor Solidário (FGS);
Criação do regime de garantia por afetação ao imóvel rural, sendo permitida tal modalidade somente nas CPR´s e CIR, objetivando dar maior segurança ao Credor destas cártulas;
Autorização para empresas estrangeiras, credoras de CPR´s ou CIR com garantia de imóvel rural por afetação, a receber o imóvel hipotecado em pagamento da dívida, sem qualquer restrição legal e dispensa de autorização do Incra.
Autorização para emissão dos títulos do agronegócio (CDCA, LCA, CPR´s, CIR, etc) em moeda estrangeira, seja por conversão ou indexação;
Permissão de emissão de CPR's, além dos produtos agricola e pecuário, também dos produtos de florestas nativa ou plantadas, da pesca e aquicultura, bem como seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico.
Outra alteração que a Lei trouxe foi o alongamento do prazo para subvenção de crédito aos cerealistas. Na MP 897 foi aberto crédito de R$ 200 milhões a juros subsidiado a 7% ao ano que vigoraria até 30/06/2020. Este prazo foi estendido até 30/06/2021
Criação da emissão escritural de todos os títulos do agronegócio e a figura das entidades certificadora e do depositário central.
Feitas as observações acima e sem objetivo de aprofundarmos sobre os temas neste artigo, passaremos a esclarecer um pouco mais sobre o Fundo Garantidor Solidário (FGS), o Patrimônio Rural por afetação, a Cédula Imobiliária Rural e as mudanças ocorridas nas CPR´s.
I – FUNDO GARANTIDOR SOLIDÁRIO
O Fundo Garantidor Solidário (FGS) é uma inovação no sistema de garantias, com espelhamento no sistema cooperativo, que visa a obtenção de empréstimos a custo menor que o normalmente praticado ou, a consolidação de dívida rural a taxa menores. É uma troca de aval entre produtores, na garantia de dívidas com as empresas, bancos e trading's.
Na teoria, conforme palavras do Dep. Alceu Moreira do MDB-RS1, a instituição credora deverá avaliar a Média de Inadimplência da Região (MIR) e, sendo o FGS garantidor de percentual acima da MIR, em tese o empréstimo e renegociação terá juros menores, vez que a margem de inadimplência estará coberta pelo FGS. A MIR é calculada sobre os valores inadimplidos frente aos contratos. Exemplo: Um contrato de R$ 100 mil, foram pagos R$ 80 mil e R$ 20 mil está em atraso, logo a taxa de inadimplência é de 20%. Aplicando-se tal conceito aos contratos da região, obtêm-se a MIR.
O FGS será criado por Estatuto que disporá sobre sua administração e remuneração do administrador, a forma de utilização dos recursos, o percentual de cada tipo de cota, entre outros e, deverá ser constituído por no mínimo 02(dois) devedores, o credor (que pode ser o agente financeiro) e, se houver, o garantidor. Vedado o pagamento de rendimentos aos cotistas, salvo quando da extinção do FGS.
Os participantes do FGS deverão aportar as seguintes cotas mínimas do crédito ou dívida renegociada;
Devedores, cota primária com no mínimo de 4%;
Credor, cota secundária com no mínimo de 4%;
Garantidor, cota terciária, com no mínimo de 2%
Os percentuais acima poderão ser majorados para acomodarem-se dentro da MIR, devendo todavia ser respeitada a proporção entre as cotas de mesma categoria
Os recursos do FGS não responderão por quaisquer outras dívidas ou obrigações, independente de sua natureza, denotando-se a afetação dos recursos do FGS ao empréstimo ou dívida garantida a qual esteja vinculado.
Os participantes do FGS responderão pelo pagamento do empréstimo ou dívida até o limite dos recursos aportados, não se podendo exigir destes qualquer valor a maior, ainda que os recursos do FGS não sejam suficientes para saldar a dívida.
A extinção do FGS se dará na utilização de seus recursos no pagamento da dívida inadimplida ou, pela quitação integral da dívida. Caso a quitação da divida se de sem a utilização do FGS ou utilização parcial, os recursos remanescentes do FGS serão devolvidos aos cotistas, nos respectivos percentuais, porém iniciando- se a devolução na ordem inversa das cotas, ou seja, primeiro a cota terciária, após a secundaria e por último, a cota primária.
II – DO PATRIMÔNIO RURAL EM AFETAÇÃO
O patrimônio de afetação surgiu com a Lei 10.931/2004, logo após a decretação da falência da Encol e a crise imobiliária instalada no final da década de 90, quando as construtoras venderam vários imóveis na planta e não tiveram liquidez para concluir as obras. Os mutuários (compradores) que já haviam pago pelo imóvel, tiveram que concorrer com os demais credores da Construtora e infelizmente portando um crédito quirografário ou, não preferencial, ou seja, foram para o fim da fila. O conceito do patrimônio de afetação era justamente privilegiar a parte hipossuficiente da relação (compradores/consumidores) e caso a construtora vier a falência ou não tiver recursos para finalizar a obra, o prédio o qual estava afetado poderá ser vendido a terceiros e o valor da venda não será utilizado para pagamento de dívidas da construtora com outras obras.
Utilizando-se de forma inversa do conceito do patrimônio de afetação para beneficio e segurança do Credor (parte mais forte da relação), a Lei 13.986/2020 incorporou a garantia de imóvel rural por afetação aos títulos de crédito rurais especificamente as CPR (Lei 8929/94) e Cédula Imobiliária Rural (CIR) criada pela MP do Agro.
Para que um imóvel ou sua fração possa ser gravado pelo regime de afetação, o proprietário rural deverá requerer ao cartório o registro de afetação do imóvel total ou parcial, apresentando as documentações exigidas por Lei, a exemplo do Georreferenciamento, CAR, CNIR, memorial descritivo, certidões do Incra e Sigef, de regularidade fiscal, trabalhista, previdenciária, entre outros. Importante ressaltar que o terreno, as acessões e benfeitorias existentes são considerados no regime de afetação. Os bens móveis, lavouras e semoventes não constituem o patrimônio afetado. Da mesma forma que o Produtor constitui a afetação de seu imóvel, também poderá requerer o cancelamento do registro de afetação, desde que não exista nenhum ônus ou restrição sobre o imóvel.
Necessário esclarecer que, caso seja instituído o regime de afetação em fração ideal do imóvel, esta deverá obedecer ainda todas obrigações ambientais previstas em Lei, a exemplo das áreas de APP e ARL, posto que será aberta uma nova matrícula para esta fração.
Lembrando ainda que não pode ser incluso no regime de afetação os imóveis gravados de ônus (hipoteca, penhor, etc.), a pequena propriedade rural (até 4 módulos fiscais), imóvel ou fração ideal menor que 01(um) módulo rural e, o bem de família salvo se de propriedade do avalista/fiador.
Em resumo o regime de afetação trata-se de uma blindagem no imóvel afetado, garantindo/beneficiando os Credores, pelos seguintes aspectos:
O imóvel afetado não pode ser objeto de compra e venda, doação, parcelamento ou qualquer outro tipo de demonstre transferência de domínio, por iniciativa do proprietário, ainda que parcialmente;
Não pode ser dado em garantia a mais de 01(uma) CPR ou CIR;
É impenhorável e não pode sofrer constrição judicial;
Não são atingidos pela Falência, Insolvência ou Recuperação Judicial do Proprietário e, nem integram a massa concursal.
Em caso de não pagamento da dívida, seguirá os mesmos critérios e normativas da alienação fiduciária para alienação do imóvel em praça pública (leilão), seja particular ou judicial, lembrando que em caso da venda em leilão se der por preço inferior a dívida, o credor poderá executar o saldo remanescente.
Em síntese, a garantia pelo regime de afetação somente beneficia o Credor e não é sinônimo de juros menores. Na prática, afronta o conceito primário do crédito rural que é o desenvolvimento da produção rural tendo em vista o bem-estar do Povo com o direito do Produtor a renegociação e alongamento da dívida rural, consoante reiteradamente decido pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive com matéria sumulada2.
III - DA CÉDULA CREDITO IMOBILIÁRIA (CIR)
A CIR pode ser emitida somente pelo proprietário rural (física ou jurídica) e tendo como credor, qualquer pessoa física ou jurídica. É um título de crédito de livre negociação e transferível por endosso, decorrente de operação de crédito de qualquer modalidade e, em caso de não pagamento, tem a obrigação de entregar ao Credor o imóvel rural dado em garantia pelo regime de afetação. Além da garantia do imóvel por afetação, poderá ter outros tipos de garantias a exemplo de aval e fiança, tanto por terceiros como por instituição financeira ou seguradora.
Pode ser emitida sob forma escritural ou cartular, devendo ser levada a registro ou a depósito em entidade autorizada pelo Banco Central, no prazo de 05 (cinco) dias úteis,
contados da emissão, sob pena de perder a eficácia executividade sobre o patrimônio rural afetado.
Sua negociação somente poderá ocorrer nos mercados regulamentados de valores mobiliários, após devidamente registrada ou depositada.
Diferente da garantia por Alienação Fiduciária, caso o imóvel garantidor vá a leilão e o valor arrecadado não seja suficiente para saldar a dívida, o Credor poderá executar o
saldo remanescente de seu crédito.
IV – DAS CÉDULAS DE PRODUTO RURAL
A CPR, como mencionada na Lei 8929/94, é um título líquido, certo e exigível, que representa a promessa por seu emitente de entrega futura de determinado produto rural, à qual
inicialmente não se apresenta um valor, mas uma quantidade de produto a ser entregue.
Com a edição da Lei 10.200/01 surgiu a figura da CPR-F (Cédula Produto Rural Financeira), onde ao invés da obrigação de dar (entrega de produtos) passa a vigorar a obrigação de pagar (dinheiro), seja por um valor fixo ou multiplicação da quantidade de produto por seu preço, na data do vencimento.
Passados mais de 18(dezoito) anos de sua última alteração, CPR, dentre todas as introduções trazidas pela MP do Agro convertida na Lei 13.986/20, com certeza foi a que mais
sofreu modificações e inovações implementadas pela nova Lei.
Primeiro, houve alterações quanto a exigência de cláusulas e informações nas CPR´s que antes não eram exigidas, fazendo com que a redação das CPR's atuais tenham de ser revisadas.
Segundo, passa-se a admitir as CPR´s na forma escritural (eletrônica), com assinatura eletrônica e/ou biométrica, bem como a própria emissão e registro por processos eletrônicos ou digitais, competindo ao Banco Central estabelecer as condições de emissão e registro das CPR´s eletrônica. Tal novidade, apesar de bem recebida pela comunidade jurídica, ainda decorrerá de certo tempo para sua implantação e uso cotidiano.
Terceiro, as CPR´s passam a ser títulos negociáveis, ou seja, pode circular entre mãos, somente após registrada ou depositada em entidade autorizada pelo Banco Central.
Quarto, as CPR´s passam a admitir o cumprimento da obrigação (de dar ou pagar) de forma única ou parcelada, devendo neste último caso estar prevista nas CPR´s o cronograma da obrigação.
Quinto, a CPR-F, além do preço fixo ou por índice de preço, também pode ser emitida em moeda estrangeira, com apuração do preço por conversão de moedas e, também, com correção pela variação cambial.
Esta talvez seja uma das alterações de maior impacto na vida do produtor rural. Até então, apesar do mercado (revendas) tentar impor a venda de insumos com variação no dólar,
tal prática era totalmente ilegal. Agora, tal prática passa a ser autorizada quando emitida a CPR-F em moeda estrangeira, porém, continua ilegal se cobrada somente sobre a Nota Fiscal, sem a emissão da nova CPR-F. Este assunto foi tema do artigo “A ilegalidade da venda de insumos atrelada a cotação futura de moeda estrangeira”, publicado em nosso site na data de 09/04/2020)3.
Se por um lado a emissão da CPR-F em moeda estrangeira atende as trading´s e empresas fornecedoras de sementes e insumos, por outro pode se tornar um pesadelo para o Produtor Rural, seja porque os produtos de pecuária e florestal não possui preço atrelado ao dólar ou qualquer outra moeda estrangeira, seja porque nas commodities agrícolas a cotação do dólar é apenas um dos fatores de composição de preço, a exemplo da soja que possui três pilares: a bolsa de Chicago, o prêmio (Lei da oferta e demanda) e, o dólar. Lembrando, que desde 2019 a cotação da soja na bolsa de Chicago e o prêmio estão em baixa, sendo que o preço da saca de soja no Brasil só está em alta, devido a desvalorização de nossa moeda.
Muito provavelmente as revendas de insumo ao requererem do Produtor Rural a emissão de CPR-F atrelada a moeda estrangeira irão querer fazer a trava da cotação do dólar – uma operação similar a Hedge – sob argumento de que caso a cotação do dólar caia, não ficarão com o prejuízo. Por outro lado, o Produtor Rural também poderá pleitear a trava ‘teto’, ou seja, a cotação futura máxima para pagamento da obrigação. Desta forma, a operação contemplará a boa-fé e o princípio da não surpresa, tornando-se uma operação mais justa a ambos.
A Lei estabelece ainda que o Conselho Monetário Nacional “poderá” regular a correção da CPR-F pela variação cambial. Poderá não é Dever. E analisando o histórico do Conselho Monetário que desde a promulgação da reforma bancária em 31/12/1964 (Lei 4595/64) à qual atribui-lhe o poder de delimitar os juros utilizados pelas instituições financeiras e, que mesmo diante de diversas crises e juros bancários estratosféricos, somente veio limitar os juros sobre o cheque especial em mover-se 27/11/2019 (Resolução 4.765/2019), muito provavelmente o Conselho Monetário nada fará no momento, deixando o mercado agir livremente e se autorregular.
Sexto, as CPR's poderão ser aditada, retificada e ratificada, devendo suas modificações serem levadas a registro de igual forma.
Sétimo, as CPR's admitem a constituição de quaisquer tipos de garantia previstas em nossa legislação (Aval, Penhor (rural, mercantil e cedular), Hipoteca, alienação fiduciária e, por afetação, etc).
Oitavo, importante alteração introduzida na CPR é a possibilidade de constar nesta, a essencialidade do bens móveis e imóveis dados em garantia, à atividade empresarial do Produtor Rural. E cediço que tanto na alienação fiduciária quanto no regime de afetação, o bem garantidor da dívida não compõe o universo de patrimônio para efeitos da Recuperação Judicial (RJ). Caso declarado bem essencial na CPR e o Produtor Rural ingresse com a RJ, dentro dos 180 dias pós deferida a Recuperação Judicial, o bem ofertado em garantia não poderá sair da posse do Devedor, por ser considerado essencial a atividade.
Nono, e também de grande importância, aumentou-se o leque de produtos para o qual se possa emitir as CPR´s. Antes do advento da Lei pessoas e atividades que podem emitir as CPR's, nos termos do §1° do art. 2°, a exemplo, somente produtos agrícolas e pecuários comportariam a emissão das CPR´s. Agora, além destes, pode ser emitida CPR´s para os produtos de floresta plantada, floresta nativa com Plano de Manejo Florestal Sustentável, a pesca e a aquicultura. Ainda, também está autorizada a emissão das CPR´s para os subprodutos, derivados e resíduos de valor econômico, de todos os produtos acima.
A partir de 01/01/2021 as CPR´s, bem como seus aditamentos e retificações, para ter validade e eficácia, deverá ser registrada e depositada em entidade autorizada pelo Banco Central em até 10(dez) dias de sua emissão ou aditamento, devendo em caso de hipoteca também ser levada a registro junto ao Cartório de Registro Geral de Imóveis competente ou, do domicílio do Devedor do Emitente em caso de garantia por bens móveis, sob pena de perda de validade da garantia sob Terceiros.
Por fim, a Lei expressamente trouxe que as declarações falsas ou inexatas a cerca de sua natureza jurídica ou qualificação, como dos bens oferecidos em garantia das CPR´s, são considerados crime de estelionato nos termos do Código Penal.
V – CONSIDERAÇÃO FINAL
Denota-se - apesar da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) ter participado ativamente das inovações e alterações trazidas pela Lei 13.896/2020, inclusive sugerido muitas delas - que a Política do Crédito Rural está se distanciando a passos largos de sua origem, indo ao encontro de interesses das Trading´s, Instituições Financeiras e demais empresas do setor em detrimento do Produtor Rural, que à míngua do Governo ainda sustenta o PIB do nosso País e alimenta o povo de muitas nações.
Ao Produtor Rural recomenda-se que antes assinar a CPR´s ou qualquer outro título, procure orientação de um advogado especializado no assunto para melhor esclarecimento sobre a negociação e obrigações contidas na cártula.
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Autoria:
1 https://www.youtube.coni/watch?v=nIR-k6fFKcA, acessado em 14/04/2020, às 15:25h.
2. Enunciado 298 – STJ - O alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei.
3https://qm.adv.br/post/31/a-ilegalidade-da-venda-de-insumos-atrelada-a-cotacao-futura-de-moeda-estrangeira